Quando mais é menos…

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À escala global, o desporto rei é o futebol mas, de 4 em 4 anos, naqueles 15 dias de Jogos Olímpicos de Verão, o trono é entregue a outros desportos que têm tradicionalmente sido o atletismo, a ginástica e a natação.

Arrisco-me até a dizer que por toda a historia olímpica na Grécia antiga e também na era moderna, que o atletismo é (ou era) o verdadeiro desporto rei no que aos Jogos Olímpicos diz respeito.

No entanto, a viragem de milénio trouxe-nos uma mudança de paradigma muito por culpa dos jogos organizados na Austrália, o país da natação, no ano 2000. Estes foram os primeiros jogos onde a natação foi o desporto mais mediático, com maior audiência e maior receita indireta. A maior receita direta de bilheteira foi, claro está, para o atletismo que tem sempre à sua disposição um estádio de 40 a 60 mil pessoas, contrastando com a capacidade de 17 mil de um parque aquático.

Ainda assim, esses Jogos fizeram com que a natação finalmente conseguisse destronar o atletismo, muito por culpa de um prodígio de 17 anos que com o seu fato de “tubarão” foi ali conquistando medalhas e batendo recordes históricos. Era Ian Thorpe. Também o holandês voador Hoggenband nadava ali os 100L para 47s pela primeira vez e isto aliado aos vários recordes mundiais que foram superados, fez com que a natação estivesse nas bocas do mundo. Nunca me vou esquecer do título de uma capa de um jornal português no primeiro dia da natação olímpica em Sidney: “Começaram os Jogos e foi lançado um Thorpedo”.

Nos jogos seguintes e até à edição do Rio 2016, o ímpeto continuou e a natação manteve a sua coroa de principal desporto olímpico. O crédito terá que ser dado claro ao maior nadador de todos os tempos, Michael Phelps, que com aquilo que foi conquistando, foi desafiando tudo o que achávamos ser possível e foi capturando cada vez mais fãs e atenção por parte dos mídia.

Com isto, a FINA tentou, e bem, aproveitar a onda de popularidade da natação para reivindicar a inclusão de mais provas no calendário olímpico. Até 2016 tentou que fossem incluídas as provas de 50 nos restantes estilos e os 800L masculinos e os 1500L femininos, sendo que para a edição de 2020 sugeriu também a inclusão das duas estafetas mistas.

No entanto, o COI foi sempre contra, por achar que a natação já tinha eventos a mais e chegou mesmo ao ridículo de limitar a 900 o número de nadadores que podiam participar nos Jogos, mantendo os critérios de universalidade, deixando assim de fora imensos bons nadadores que tinham nadado mais rápido que os mínimos B. Aliás, em Portugal, a Ana Catarina Monteiro e o Miguel Nascimento foram vitimas disso mesmo em 2016.

Não está claro como é que a FINA pôde deixar isso acontecer, tendo em conta que se tratava do principal desporto olímpico das últimas quatro edições. Terá sido incompetência? Intransigência por parte do COI? Não sei, mas aconteceu. E tendo acontecido, a minha esperança para inclusão das provas que a FINA reivindicava desvaneceu.

Eis que em maio de 2017 há uma reviravolta e o COI decide incluir no programa para Tóquio 2020 a prova dos 800L masculino e dos 1500L femininos, bem como uma estafeta mista de 4x100E. E a verdade é que não me sinto confortável com a decisão. Qual foi o critério?

Bem, o critério foi simples: igualdade de género. “Igualou-se” o programa feminino e masculino e adicionou-se uma estafeta mista de estilos para reforçar ainda mais essa igualdade de género. Escolheu-se a estafeta de estilos por já se oferecerem muitas provas de “crawl” no programa.

Mas não consigo perceber como ignoraram por completo as provas de 50m nos outros estilos.

É óbvio que para qualquer grande amante da modalidade ou para quem esteja ligado diretamente à natação, todas as provas terão o seu interesse. Eu sei que vejo todas. Ainda assim é quase unânime que as provas de sprint, normalmente designadas de prova espetáculo, roubam a atenção de toda a gente.

Se uma pessoa ligada à modalidade sente isso, o que dizer de uma pessoa que apenas a veja de 4 em 4 anos nos Jogos Olímpicos?

A verdade é que as pessoas querem ver espetáculo, velocidade e imprevisibilidade! E essas são as principais características das provas de 50 metros. Se uma pessoa só vê maratona nos Jogos Olímpicos liga a televisão no início e depois muda de canal e só volta no fim para ver o resultado, a verdade é que acontece exatamente o mesmo nos 1500 Livres para quem só vê natação de 4 em 4 anos.

As provas mais extensas normalmente carecem deste tipo de emoções mais fortes, embora a Katie Ledecky nos deixe a todos nós (fãs de natação) colados ao ecrã para ver quanto ela consegue retirar ao recorde mundial.

Teria sentido incluir primeiro as provas de 50 em cada estilo para se aumentar o interesse na modalidade, a audiência e o retorno, mas também pela justiça. Digo justiça porque o programa já oferece 5 provas individuais e 2 de estafetas no estilo de “crawl”, dando apenas espaço para 2 provas de cada uma das outras técnicas e uma estafeta de estilos.

A FINA devia ter batido o pé em relação a esta situação porque tinha todos os trunfos na mão. Tinham o desporto com maior audiência, maior retorno nos jogos olímpicos, com mais recordes e ainda tinham o maior atleta olímpico de todos os tempos.

O conceito de igualdade de género é muito importante no movimento olímpico, mas nem todas as decisões devem ser tomadas só com essa premissa no pensamento. Na minha opinião era urgente fazer dos 50 metros nos outros estilos, provas olímpicas, até porque os 50L já o são. De seguida igualar o programa olímpico feminino e masculino, adicionando os 800 masculinos e os 1500 femininos ou passando os atuais 800 femininos para 1500 se não se quisesse sobrecarregar mais o programa. Só numa outra fase poderia tentar exigir-se a inclusão de estafetas mistas. A sua inclusão em Tóquio 2020 é prematura na medida em que é uma prova que é apenas disputada em grandes competições internacionais há cerca de 2 anos e meio e que reúne muito pouco consenso e interesse na comunidade aquática.

Quem decidiu, tenha sido com ajuda da FINA ou não, carece de alguma visão e conhecimento do que é o nosso desporto e é por isso que, apesar do meu lado de ex-nadador e amante da modalidade me deixar contente por ter mais 3 provas nos próximos Jogos olímpicos, posso com segurança dizer que estamos perante um caso típico em que MAIS, foi MENOS…

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